ABRIL LITERÁRIO: Martha Batalha e a literatura brasileira exportada para o mundo
“O Clube de Leitura é um projeto que comprova a crença da sociedade e do poder público na reeducação dos presos”
Martha Mamede Batalha nasceu em Recife, em 1973, e cresceu no Rio de Janeiro. Muito antes de se lançar na carreira como escritora, foi repórter em diversos jornais e chegou a fundar a editora Desiderata, hoje parte do grupo Ediouro.
Em 2008 se mudou para Nova Iorque, onde fez mestrado na NYU e atuou no mercado editorial. Atualmente, vive com o marido e os dois filhos em Santa Mônica, Califórnia.
Seu primeiro romance, “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, foi finalista do prêmio São Paulo de Literatura, teve os direitos vendidos para mais de onze países e para o cinema. Além disso, faz parte do repertório de livros do Programa de Incentivo à Leitura – Lendo a Liberdade, iniciativa da Fundação ”Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap, que incentiva a formação de leitores nas unidades prisionais de São Paulo.
Em entrevista exclusiva, a autora conta como enxerga sua experiência no universo da literatura e seu impacto dentro do sistema prisional.
Martha nunca havia tido contato com o ambiente penitenciário. Até maio de 2018. Convidada para participar do debate de sua obra no Clube de Leitura do Centro de Progressão Penitenciária “Prof. Ataliba Nogueira” de Campinas, a autora confessa ter sido uma excelente experiência: “O Clube proporciona aos detentos esta parte tão sutil da dignidade, que não é o direito ao trabalho ou à comida, mas o direito a pensar, a se perder dentro de um livro, a de sentir prazer com uma atividade que historicamente sempre foi considerada como sendo apenas de elite”.
Também apreciou o trabalho dos agentes penitenciários envolvidos no programa: “o que encontrei foram funcionários que me pareceram competentes e preocupados em reeducar os detentos para que pudessem retornar à sociedade”.
O poder de transformação através da leitura é real para todos, segundo Martha, pois desperta o senso crítico e análise do entorno. “Para o reeducando, para mim, para meus filhos. Quem lê nunca está sozinho”. Elogia que, através do programa, o perfil normativo de leitores brasileiros (camadas da classe média e alta do sexo feminino) é ampliado. Homens do sistema penitenciário, composto em sua maioria por negros com ensino fundamental incompleto, desfrutam da possibilidade de ler uma obra sobre os desafios de personagens femininos, que se assemelham às suas mães, esposas, filhas e avós, como mostra o livro de Martha.
“A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, lançado em 2016 no Brasil pela editora Companhia das Letras, conta a história conhecida por todas as mulheres, mas nem sempre revelada. A trama, ambientada no Rio de Janeiro dos anos 40, conta a vida das irmãs Gusmão, criadas apenas para serem boas esposas.
A ideia para o livro, conta a autora, partiu da hipótese: o que aconteceria com uma mulher brilhante, se ela nascesse em um tempo e lugar em que as condições sociais não permitissem que ela, por ser mulher, pudesse se realizar?
A obra tenta responder essa questão ao ambientar a vida de Eurídice Gusmão, protagonista do livro, que, dotada de um intelecto não aproveitado em sua rotina de dona de casa, resolve escrever um livro de receitas, ideia veementemente rejeitada por seu marido.
O romance, antes mesmo de ser publicado no Brasil, foi vendido para editoras na Alemanha e Noruega. Mesmo com o sucesso internacional, Martha não esconde o desejo de escrever em português, sobre temas brasileiros e para leitores brasileiros: “É importante para um país ter uma literatura própria, porque esta vai ser responsável por formar uma parte da identidade nacional. Por mais simples que seja, uma história genuinamente brasileira vai contribuir para esta identidade, este imaginário nacional”.
A autora também não descarta a possibilidade de participar de outro debate dos Clubes de Leitura em unidades prisionais, e afirma que seria “maravilhoso” que sua segunda obra, “Nunca houve um Castelo”, fosse lida por reeducandos, assim como “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”.
Lançado em 2018, o romance “Nunca houve um castelo”, também ambientado no Rio de Janeiro, agora nos anos 60, recria a trajetória dos descendentes de Johan Edward Jansson, cônsul da Suécia no Brasil, que em 1904 construiu um castelo em Ipanema.
Campanha Abril Literário
A leitura e a educação são vistas como agentes transformadores dentro da sociedade, elementos que constituem a cultura e uma civilização. Neste dia 23 de abril lembraremos o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor por meio da campanha Abril Literário. A ideia é entrevistar autores que são lidos no sistema prisional, na busca de mais visibilidade e valorização para as iniciativas pró-leitura para pessoas privadas de liberdade.
A Fundação ”Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap, órgão vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), incentiva a formação de leitores por meio do Programa de Incentivo à Leitura- ”Lendo a Liberdade”, política pública de Estado que articula projetos, com os mais de 100 Clubes de Leitura instalados em unidades prisionais paulistas.
Cada Clube de Leitura envolve, em média, 20 reeducandos. Em cada mês, o reeducando é convidado a ler um título, participar de debates sobre a obra com os demais membros e, ao final, desenvolver uma resenha crítica, que poderá render a remição da pena. Cada texto aprovado pode significar até quatro dias a menos no cárcere.
A ação é uma iniciativa desenvolvida pela Funap e SAP em parceria com a Academia Paulista de Letras (APL).
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