ABRIL LITERÁRIO: A literatura de Lucrecia Zappi como fio condutor para a ressocialização – Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel" – Funap

ABRIL LITERÁRIO: A literatura de Lucrecia Zappi como fio condutor para a ressocialização

Autora de ”Acre” fala, em entrevista, sobre visitas às Penitenciárias e aconselha leitores privados de liberdade


Natural de Buenos Aires, Lucrecia Zappi nasceu em 1972, mas aos 4 anos de idade mudou-se para a Vila Buarque, em São Paulo, fugindo da ditadura argentina. Aos 16 anos migrou para a Cidade do México com o pai e, em seguida, para a Holanda. Atualmente com 47 anos, a autora conta, em entrevista, sobre ”Acre” e os reflexos da obra na sociedade e no sistema prisional. 

Seu primeiro romance, ”Onça Preta”, lançado em 2013, foi iniciado quando Lucrecia já morava nos Estados Unidos. Escrito inicialmente em inglês, a autora conta que duas coisas a motivaram traduzir as linhas já desenvolvidas: a vontade de escrever no próprio idioma e o interesse pela obra de um editor do Brasil. Ela define esse processo como ”redescoberta do meu idioma e de uma terra que reconheço como a minha, que é o Brasil”.

”Acre”, lançado em 2017, é uma das obras que compõem os Clubes de Leitura nas unidades prisionais do Estado de São Paulo. O livro traz experiências vividas por Lucrecia quando ainda morava na cidade paulistana. Segundo ela, a intenção ao inserir elementos do passado na narrativa é reavivar o que já foi vivido em um micro bairro no qual todos se conhecem e vivem inseridos nos problemas sociais e na degradação da região central.

 O personagem principal, Oscar, narra seu casamento com Marcela e como o retorno de um forasteiro misterioso chamado Nelson, ex-namorado da esposa, interfere no relacionamento afetivo. Diante do medo e da insegurança, o narrador desconfia de uma traição.

Literatura atrás das grades 

Ela acredita que o fato da obra falar sobre desigualdades e marginalização e ser trabalhada com leitores que passaram por tais circunstâncias é um eco do texto e uma responsabilidade imensa, pois representa uma oportunidade para novas experiências. Além disso, considera que a leitura é conduzida pela interpretação e vivências próprias de cada um.

A obra traz a violência urbana e desencontros familiares para o centro da trama, temas frequentemente presentes nas histórias de vida dos reeducandos que participam dos Clubes de Leitura. Sobre esta similaridade, Lucrecia acredita que são os leitores quem dão vida às histórias que leem. ”É como essas lâminas transparentes de enciclopédia antiga na parte de anatomia. Uma se sobrepõe à outra para compor e explicar o corpo humano. São camadas de compreensão que casam umas com as outras e juntas, formam um grande corpo que funciona não só por meio dos órgãos vitais, mas também pelos sentidos e ainda pela sensibilidade que nos torna humanos e nos humaniza”, compara.

Por meio do Programa de Incentivo à Leitura – ”Lendo a Liberdade”, os reeducandos tiveram a oportunidade de discutir, com a própria autora, os pontos mais importantes da narrativa. Nas visitas às Penitenciárias de Capela do Alto e Feminina de Votorantim, no ano passado, Lucrecia analisou, por cerca de duas horas, a obra juntamente com os integrantes dos Clubes. Em cada unidade, 20 reeducandos e reeducandas revelaram suas impressões, dúvidas e questionamentos, além de também abordarem os benefícios da leitura no cárcere.

A autora conta que a experiência foi marcante e sensacional. ”Depois das visitas, fiquei com isso na cabeça, pensando no efeito da leitura nas penitenciárias. Qualquer estímulo intelectual só pode resultar em efeito positivo, não só porque o lugar é de confinamento físico, mas também porque o exercício da verdadeira liberdade não é apenas respeitar o espaço do outro, mas compreender o que torna o outro único, e isso só se dá, a meu ver, pela troca de experiência. Por que você tem uma postura e eu tenho outra sobre o mesmo tema? Por isso acho que a literatura nas penitenciárias tem o poder de provocar mudanças profundas. Colocar-se no lugar de um personagem é colocar-se no lugar do outro e colocar-se no lugar do outro é se situar no mundo”, relata.

A literata ressalta ainda que ”a leitura é a base da escrita” e aconselha os reeducandos, que desejam inserir nas páginas suas próprias histórias, a analisarem o modo como o autor preferido constrói os cenários, descreve os sentimentos e os personagens e dá vida à narração.

Lucrecia define a leitura como um convite à reflexão e à imaginação e afirma que o acesso à cultura é primordial para a formação e crescimento intelectual e social das pessoas. ”Se você tem mais escolhas, menor a chance de uma descida para um mundo violento de satisfações imediatas”, explica.

Campanha Abril Literário

A leitura e a educação são vistas como agentes transformadores dentro da sociedade, elementos que constituem a cultura e uma civilização. Neste dia 23 de abril lembraremos o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor por meio da campanha Abril Literário. A ideia é entrevistar autores que são lidos no sistema prisional, na busca de mais visibilidade e valorização para as iniciativas pró-leitura para pessoas privadas de liberdade.

A Fundação ”Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap, órgão vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), incentiva a formação de leitores por meio do Programa de Incentivo à Leitura – ”Lendo a Liberdade, política pública de Estado que articula projetos, como os mais de 100 Clubes de Leitura instalados em unidades prisionais paulistas.

Cada Clube de Leitura envolve, em média, 20 reeducandos. Em cada mês, o reeducando é convidado a ler um título, participar de debates sobre a obra com os demais membros e, ao final, desenvolver uma resenha crítica, que poderá render a remição da pena. Cada texto aprovado pode significar até quatro dias a menos no cárcere.

A ação é uma iniciativa desenvolvida pela Funap e SAP em parceria com a Academia Paulista de Letras (APL).

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