ABRIL LITERÁRIO: O olhar periférico da literatura de Luiz Ruffato – Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel" – Funap

ABRIL LITERÁRIO: O olhar periférico da literatura de Luiz Ruffato

Autor do livro “De mim já nem se lembra”, obra lida em Clubes de Leitura no Sistema Prisional, conta suas experiências literárias


Luiz Ruffato, filho de um pipoqueiro e de uma lavadeira de roupas, teve seu primeiro contato com livros de literatura apenas aos 13 anos de idade, na biblioteca do colégio. ”Foi um deslumbramento. Nunca mais parei de ler, viciei-me em leitura”, relata o autor. Em entrevista, o escritor, hoje com 58 anos, resgata sua formação, suas obras e o impacto delas na sociedade e em especial no sistema prisional.

Formado em Comunicação Social em 1981, atuou em jornais de Minas Gerais e São Paulo. Entretanto, o ex-jornalista afirma que sempre foi extremamente tímido e, desde o início, um péssimo repórter. Por isso, optou por trabalhar somente dentro das redações. A ênfase na redação e edição dos textos, porém, não traria tanto reflexo na carreira como escritor. Embora tenha uma larga experiência com produção e revisão de conteúdo midiático, Ruffato justifica o contraste na linguagem da redação literária e jornalística.

”O texto jornalístico e o texto literário, embora pertençam à mesma família, não se misturam – algo como o cavalo e a zebra, que, pertencendo ao gênero dos equinos, não se confundem. O texto jornalístico, por sua própria natureza, busca a medianidade, ou seja, quer ser compreendido pelo maior número possível de pessoas, tem que ser claro e objetivo. O texto literário se coloca no campo oposto: quanto mais camadas possua, mais complexidade ele pode obter”, analisa o autor.

Leitura no cárcere

A aproximação com a literatura brasileira aconteceu ainda no período universitário. Ao aprofundar seus estudos, percebeu que trabalhadores e pessoas mais pobres, justamente a sua própria classe social, não era representada devidamente em romances e contos. A partir dessa visão, observou que sua contribuição literária deveria partir com esse objetivo: representar a minoria.

Uma de suas obras mais famosas, ”De mim já nem se lembra”, é escrita em primeira pessoa, em um convite da editora Moderna em 2006. Aqui já fica clara esta preferência de perspectiva periférica. Ao escolher retratar o período da Ditadura Militar, o autor desconsiderou narrar o ponto de vista dos militantes ou dos próprios militares, mas sim sob a ótica das pessoas comuns e de como esta situação interagiu na vida de pessoas que inclusive desconheciam o regime instaurado.

Hoje, o título compõe o repertório de Clubes de Leitura do Programa de Incentivo à Leitura – ”Lendo a Liberdade”, política pública da Fundação ”Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap, que incentiva a formação de leitores nas unidades prisionais de São Paulo. Sobre a relação de sua obra, que possui uma narrativa muito específica, com o sistema prisional, Ruffato coloca a leitura como importante instrumento de ressocialização.

”Não tenho dúvida alguma a respeito disso [poder de ressocialização da leitura]. Quando a literatura proporciona essa empatia, ou seja, quando ela nos coloca em outro lugar, convivendo com outras realidades, ela nos mostra algo que, embora seja óbvio, muitas vezes não nos damos conta: a de que só existimos porque o outro nos diz que existimos. Sozinhos, não existimos. E a literatura tem essa capacidade, mais que todas as outras artes, porque, quem experimenta vivenciar a dor do outro, passa a ter com o outro uma relação de maior respeito, porque o outro é a garantia da nossa existência”, afirma.

”De mim já nem se lembra”, entre outros temas, aborda a vida de alguém que quer tomar novos rumos e voltar para a família. Trajetória semelhante a milhares de relatos no sistema prisional. Sobre esta similaridade e as reflexões que o livro pode causar no leitor, no entanto, Ruffato diz não ter uma resposta exata. As experiências literárias, no que ele chama de ”transcendência”, ultrapassam o que está nas páginas dos livros, em ”um eterno conflito na busca pela felicidade”.


Crise das livrarias, crítica social e empatia

A marcante presença de pessoas comuns, trabalhadoras ou pobres como protagonistas e demais personagens nas obras de Ruffato é chave do processo. Na opinião do autor, a criação de empatia entre leitor e livro se dá exatamente por espelhamento ou estranhamento. É esta capacidade de criar similaridades entre a história narrada e a vida de quem lê, ou justamente a latente antítese, que proporciona a empatia e onde mora a beleza da literatura.

Os livros de Luiz Ruffato possuem essa carga de crítica social, mas mantém a narrativa bem ancorada em seu gênero. Para ele, a literatura é uma representação da sociedade por meio da linguagem, assim como o teatro, o cinema ou a música. ”A única coisa que tenho para mim é que a grande beleza do discurso literário é que ele engloba todos os outros discursos – sociológico, antropológico, psicanalítico, psicológico, econômico, político, etc – mas não é nenhum deles. O grande desafio do escritor, na minha opinião, é conseguir essa adequação”, analisa.

Sobre a crise que as livrarias têm enfrentado, Ruffato afirma que não há um motivo isolado. Na opinião dele, o fechamento dos pontos físicos para venda de livros parece uma consequência do cenário econômico desfavorável e o péssimo sistema de educação do Brasil que não se preocupa em formar novos leitores. O fato de os brasileiros não se interessarem pela cultura letrada e o preço do livro também são pontos a serem levados em consideração.

Campanha Abril Literário

A leitura e a educação são vistas como agentes transformadores dentro da sociedade, elementos que constituem a cultura e uma civilização. Neste dia 23 de abril lembraremos o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor por meio da campanha Abril Literário. A ideia é entrevistar autores que são lidos no sistema prisional, na busca de mais visibilidade e valorização para as iniciativas pró-leitura para pessoas privadas de liberdade.

A Fundação ”Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap, órgão vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), incentiva a formação de leitores por meio do Programa de Incentivo à Leitura- ”Lendo a Liberdade”, política pública de Estado que articula projetos, com os mais de 100 Clubes de Leitura instalados em unidades prisionais paulistas.

Cada Clube de Leitura envolve, em média, 20 reeducandos. Em cada mês, o reeducando é convidado a ler um título, participar de debates sobre a obra com os demais membros e, ao final, desenvolver uma resenha crítica, que poderá render a remição da pena. Cada texto aprovado pode significar até quatro dias a menos no cárcere.

A ação é uma iniciativa desenvolvida pela Funap e SAP em parceria com a Academia Paulista de Letras (APL).

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